Eu tentei lhe escrever, mas é claro que não consegui.
Não é a primeira vez que passo por isso, o que também é claro. Contudo, dessa vez eu não chego a compreender como as coisas estão realmente se dando para mim. Das últimas vezes, eu podia tirar um significado, uma lição, uma razão, um sentimento. Enfim, algo.
De qualquer maneira, não é como se significasse menos. Na realidade, de início pensei justamente que o fosse; porém agora me atrevo a dizer o contrário, talvez esteja sendo significativo demais para se perceber. Não é algo pontual, na minha frente. É algo por toda parte, por todos os lados, no passado e no futuro.
Quando um dia escrevi sobre a perda, propus justamente que havia íntima relação com o futuro, com sentir alguma mudança inevitável. Seria o reconhecimento da impotência perante a morte, evidenciada pelo não controle e desconhecimento do futuro. Mas mesmo que eu o controlasse e o conhecesse, ele nem sequer existiria sem você.
O meu nome, o meu sangue, os meus olhos... eu venho de você.
Para você, eu parecia o futuro.
Talvez algo como uma imagem do passado no futuro. Um misto de nostalgia e esperança - as duas expressões mais belas das almas dos antigos.
Para mim, você é o mais próximo que entendo pela minha religião:
É o que me conecta ao passado que tanto desconheço, mas que ainda assim a tudo deu origem. É o que me conecta a Deus da forma mais pura que conheço. É o que me conecta a tudo que inevitavelmente sou.
Onomatopeias
terça-feira, 5 de setembro de 2017
sexta-feira, 22 de julho de 2016
Entendimento
Logo de manhã.
Um coelho morto. No meio da cidade.
Largado ao chão. Sem justificativa.
Foi surreal, foi apavorante.
Não era o bastante.
Ponto de ônibus vazio, vazio de ônibus.
Um homem logo a frente, ansioso. Mais ansioso que eu depois de ver o coelho.
Talvez ele o tivesse visto. Talvez ele tivesse o matado.
Ele tinha algo como eu. Ele entendia algo que eu também entendo. Essa é muitas vezes a melhor das sensações, mas não dessa vez. Ele entendia o que eu não queria entender.
Na verdade, percebi que não entendo tanto quanto ele.
Sou inerte, sabe? Estava desesperado, mas só pensava no som dos carros.
"Por que o som estava tão alto?" Eu me perguntava.
Um coelho morto. No meio da cidade.
Largado ao chão. Sem justificativa.
Foi surreal, foi apavorante.
Não era o bastante.
Ponto de ônibus vazio, vazio de ônibus.
Um homem logo a frente, ansioso. Mais ansioso que eu depois de ver o coelho.
Talvez ele o tivesse visto. Talvez ele tivesse o matado.
Ele tinha algo como eu. Ele entendia algo que eu também entendo. Essa é muitas vezes a melhor das sensações, mas não dessa vez. Ele entendia o que eu não queria entender.
Na verdade, percebi que não entendo tanto quanto ele.
Sou inerte, sabe? Estava desesperado, mas só pensava no som dos carros.
"Por que o som estava tão alto?" Eu me perguntava.
Quando era mais novo, eu costumava me ater a pensamentos. Eles surgiam e permaneciam por meses; eram tudo o que importava. O tempo passou e isso foi mudando. Os pensamentos crescem mais rápido e são abandonados logo em seguida.
Isso me apanhou esses dias. Aqueles olhos pequenos, sem vida. Agora, eles viram algo que eu não vi. Ele entende algo que eu não entendo. Isso me tranquiliza por ele, mas, sinceramente, não sei.
Será que existe algo assim: entender aquilo que eu entendo?
Será que existe algo assim: entender aquilo que eu entendo?
sábado, 13 de fevereiro de 2016
Desconexos
É na realidade algo bem comum:
As vezes tenho que mover uma parte do meu corpo para poder mover outra. É algo tão simples e que sempre se mostrou presente. Tenho que mover uma peça no xadrez para ser seguro mover outra; algumas vezes até ser possível move-la. Com o tempo, as jogadas tornam-se tão fluidas que os movimentos de preparação tornam-se parte do movimento final. Nesse aspecto, o xadrez e o combate são os mesmos. Cada peça movida leva consigo o peso de todo tabuleiro, assim como o corpo leva o peso de todo o universo.
As vezes tenho que mover uma parte do meu corpo para poder mover outra. É algo tão simples e que sempre se mostrou presente. Tenho que mover uma peça no xadrez para ser seguro mover outra; algumas vezes até ser possível move-la. Com o tempo, as jogadas tornam-se tão fluidas que os movimentos de preparação tornam-se parte do movimento final. Nesse aspecto, o xadrez e o combate são os mesmos. Cada peça movida leva consigo o peso de todo tabuleiro, assim como o corpo leva o peso de todo o universo.
Quando o movimento é desconexo, ele é incompleto; imperfeito.
É como quando você está parado e se sente cair levemente para o lado; as vezes para trás, as vezes para frente. Como se a terra continuasse girando normalmente, mas você esta infinitesimalmente mais lento que ela - e por isso começa a cair.
É como ter sua inércia quebrada. Ou o mundo girando com você ainda parado.
É como ter sua inércia quebrada. Ou o mundo girando com você ainda parado.
São dois problemas simples, analisados de uma maneira simples. O pensamento é simples. Porém, eles me parecem desconexos, incompletos - imperfeitos.
Não necessitam, contudo, serem complexos.
Tenho percebido que ao fim, as coisas parecem feitas para serem simples:
Para acordar cedo tenho de querer assistir o nascer do Sol, tanto quanto preciso dar um passo depois do outro.
Para acordar cedo tenho de querer assistir o nascer do Sol, tanto quanto preciso dar um passo depois do outro.
terça-feira, 9 de junho de 2015
Santa hipocrisia!
Esses dias dei esmola.
resolveram me pedir pão
bem quando saí da padaria!
Veja bem que situação esquisita:
eu, cheio de pão na mão
enchi o sujeito de moeda
resolveram me pedir pão
bem quando saí da padaria!
Veja bem que situação esquisita:
eu, cheio de pão na mão
enchi o sujeito de moeda
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
Jabutis.
Creio que quando são palavras demais apenas para descrever uma rotina vivida, não valem a pena serem citadas. Seriam desconexas e não teriam real fundamento. Não transpareceriam o que quero. Ela não lerá isto, mas escrevo para meu eu que, em breve, voltará para ler.
Não disse uma única palavra para seu corpo, para mim aquilo estava vazio. Mas minha últimas palavras dirigidas à ela, enquanto viva, foram:
"Não demora muito eu volto, aí nos veremos de novo."
Acabou que não nos reencontramos. Me pergunto se um dia você realmente voltará a me ver; mas talvez tudo que precisemos fazer é estender o prazo, para que no futuro possamos ver um ao outro novamente. Contudo, eu sei que eu, unilateralmente eu, continuarei te vendo, pois a sua presença me cerca a todo momento. Estarei com sua filha, vendo-a crescer e vendo tudo aquilo que plantaste nela se desenvolver. Crescerei profissionalmente e lembrarei-me de seu dom ao lidar com os mais jovens. Tornarei-me mais velho, continuarei vivendo, e me esforçarei para conseguir aproximar-me da fé e da confiança que nutrias pelas pessoas.
Ainda me lembro do versículo que tive de decorar em 2002. Foi a primeira coisa que realmente aprendi.
Até a criança se dá a conhecer pelas suas ações se o que faz é puro e reto. Provérbios 20:11
segunda-feira, 30 de junho de 2014
Saúde, por favor diga-me que seu nome não é Vera.
O suave
batimento de seu coração me dominou. Naquele dia, naquela praça, naquele banco.
Havia uma
rotina. Aquele tipo de rotina que surge e você sente que é uma rotina. Aquela
rotina a qual não se vive tendo consciência.
Dias comumente
ensolarados da primavera. A grama cobria a visão, granulada com as dúzias de
cores dos frutos e árvores logo adiante. A água caindo da jarra do anjo de
mármore refletia luz diretamente aos meus olhos, o que me impedia de ver algo ademais
disto. O barulho era estranhamente tranquilizante. Mesmo as crianças sempre
gritando, ou até mesmo o bebê que parecia estar sempre chorando, não me
enervavam ou incomodavam.
Havia ali tons
de serenidade que me agradavam. Rostos sempre familiares, sorrisos já
conhecidos, uma segurança já garantida. E, além de todos os fatores, talvez fosse
a justa garantia de meu autocontrole. O equilíbrio não poderia ser quebrado,
não por mim.
E sempre
assentada logo na outra ponta do banco estava ela. Seu rosto sempre marcado por
uma estranha satisfação, sempre se alimentando quieta de algo totalmente
inconstante e aleatório conforme os dias de primavera passavam. Sempre ali, com
o mesmo cabelo, a mesma face, o mesmo tempo. Sem falar nada, sem emitir som.
Expressando uma única satisfação, vivendo. Vivendo em silêncio.
Meus esforços
diários pela manhã talvez fossem apenas distinguir a beleza natural que eu via no
parque da beleza que enxergava em seus olhos. As tonalidades iguais sempre me
confundiram. Mas mesmo assim, a beleza em geral é feita para ser admirada
enquanto em equilibrio, enquanto constante. Havia uma distância durante todos
aqueles dias, durante toda a primavera. Uma distância maior que as crianças,
maior que os bebês, maior que o tempo, o clima e a comida. Maior que a água e
as árvores; maior que tudo naquele parque. Menos do que o respeito e a
educação, que comumente garantiam o eterno silêncio.
E assim
permaneceu por toda a primavera. Cada dia mais eu podia ouvir o quão constante
era seu coração. A batida suave e cíclica, tão perfeitamente quanto sua
presença.
Até que um dia; uma boca aberta. Um som; mais baixo do que se pensava possível. Um singelo espirro.
Começara o verão.
domingo, 4 de maio de 2014
Recordo-me
Eram os
diferentes olhares que constituíam toda a situação; vejam bem, não faziam parte
do cotidiano de ninguém presente e não eram nem ao menos esperados de estarem
ali. É praticamente como se você estivesse a andar pelas ruas e subitamente
encontrasse uma trupe de circenses fazendo um show ao ar livre; aliás, era
exatamente isto.
Alguns olhos
os tomavam como desordeiros, fugiam do comum e de sua rotina. O preconceito
impregnava os olhos tanto dos mais apegados a tal rotina quanto aos que mais a
repudiavam. Tal arte não os agradava, tal constrangimento, tal objetivo. Talvez
nem ao menos considerassem como arte. Panis
et circenses, pensavam alguns. Outros se agradaram, não esperavam, não desejavam
e nem ao menos sonhavam; mas as cores das chamas arremessadas ao alto, os
sorrisos dos artistas, os movimentos precisos dos dançarinos, a sequencialidade
dos malabaristas, tudo isto os maravilhavam. Alguns outros realizavam a façanha
de estarem felizes apenas pelo sorriso das poucas crianças no local, pela fuga
de sua realidade; tamanha era a fuga que largavam suas drogas de lado.
Desligavam-se de seus fones de ouvido, seus livros, seus amigos, suas paixões,
alguns até mesmo de seus cigarros. A droga maior estava ali. Circenses. O que faziam ali não
importava, era indiferente o fato de quebrarem ou não sua rotina. A grande
dúvida era: parar ou não parar? Convenhamos, não era nenhuma rua movimentada,
não havia uma multidão cercando a apresentação. Era uma questão de pressa. Era
uma questão de tempo.
Mas ainda que
sem tempo; parei. Era um dia frio, mesmo que ensolarado. Não estava sendo
estressante e nem estimulante, apenas frio. Aproximei-me do homem que lançava
labaredas. Mesmo tendo a visão tapada, o calor era incomparavelmente confortante.
E por mais fascinante que fossem as apresentações, felizmente resolvi focar nos
olhares. Percebo agora que aquele dia foi a primeira vez que compreendi: é
justamente no olhar das pessoas que se encontra a situação. Ali não está
somente o reflexo do que está sendo feito, estão registradas as impressões, os
pensamentos, os sentimentos e os resultados. Desde as causas sendo reproduzidas
quase que simultaneamente até os efeitos sendo plenamente demonstrados logo em
seguida. Pude então sentir o que as pessoas sentiam: a tristeza, a nostalgia, a
admiração, o prazer.
Desde então
sonho com um feito. Sonho em ver as diversas mesmas situações nos olhos de todos
os presentes. Em sentir o que sentem e compreender o que pensam. Em ter então o
mesmo prazer que cada circense tem durante sua apresentação, um prazer que, mesmo
que inconscientemente, é lido nos olhares daqueles que observam.
Penso, às
vezes, que tudo isto possa ser lido no olhar do apresentador.
Lembro-me de
como ele era. Tinha os olhos mais claros que o meu. Os cabelos negros. A
aparência de um homem que viveu mais de quarenta anos muito mal cuidados. O
amor de longa data que sentia por uma das artistas em volta dele; perceptível
pelo olhar que direcionava a ela. O sorriso provocante que direcionava a todos
que olhavam para ele. O olhar concentrado que parecia estar sempre olhando em
sua própria direção. A postura desafiadora, aguardando pelo fora do comum.
Deleitando-se com as reações, com os sustos, com as felicidades e com as
decepções dos expectadores. Convidando aqueles que tinham dúvida, admirando-se
dos que assistiam; confrontando os que passavam. Poderia dizer que o olhar dele
foi o último que pude ver, simplesmente pela prisão que me atingiu quando
cruzei o olhar com o dele. Fui forçado a assistir a apresentação; na verdade,
escolhi por assisti-la naquele momento.
Mas muito
tempo havia se passado. Os tambores já estavam extremamente acelerados. As
pessoas em volta conversavam de forma ininterrupta. Os malabares e as danças já
se harmonizavam e eram mais rápidas do que os olhos podiam acompanhar. Sorrisos
e olhares cruzados, extremamente notáveis, surgiram em praticamente todos os
artistas. Risos, felicidade e deleite vieram dos próprios. O som rapidamente se
encerrou. O susto silenciou a multidão. Todos os artistas estavam alinhados de
forma circular, até que uma grande labareda emergiu do centro do círculo. O
apresentador estava poucos metros diante de mim, curvando-se junto a sua trupe.
Os aplausos se estremeceram. E desde o momento em que meu olhar focou-se na
apresentação, senti-me respirar pela primeira vez. Meu corpo formigava de
excitação, fora dominado.
Mas minha felicidade do dia foi ter visto tudo aquilo em um único lugar. Foi ter visto que há muito para se ver. Foi ter finalmente percebido que e o quê os artistas sentem. Talvez, aquela tenha sido a primeira, e até então única, amostra do que será a minha arte.
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